A LIBERDADE RELIGIOSA E O PAPEL DO ESTADO
Malaquias 3:18 (Então voltareis e vereis a diferença entre o justo e o ímpio; entre o que serve a Deus, e o
que não o serve.)

 

As garantias de liberdade religiosa e respeito pela consciência e crença, são facilmente encontradas nas ordens constitucionais modernas e nos instrumentos internacionais e nacionais de direitos humanos.


A liberdade de crença e de culto está garantida pela atual Constituição brasileira, promulgada em 1988, nos Artigos 5 e 19, e a Lei Nº 7716, que estabelece como crime a discriminação por raça, cor, etnia, religião ou nacionalidade.

 

A Constituição Federal consagra como direito fundamental a liberdade de religião, prescrevendo que o Brasil é um país laico. Com essa afirmação queremos dizer que, olhando para a Constituição Federal, o Estado deve se preocupar em proporcionar a seus cidadãos um clima de perfeita compreensão religiosa, abolindo a intolerância e o fanatismo.
Deve existir uma divisão muito acentuada entre o Estado e a Igreja(religiões em geral), não podendo existir nenhuma religião oficial, devendo, porém, o Estado prestar proteção e garantia ao livre exercício de todas as religiões.

 

Pode-se afirmar que, em face da nossa Constituição, é válido o ensinamento de que o Estado tem o dever de:
1) proteger o pluralismo religioso dentro de seu território, 2) criar as condições materiais para um bom exercício sem problemas dos atos religiosos das distintas religiões, e 3) velar pela pureza do princípio de igualdade religiosa, porém, deve manter-se à margem do fato religioso, sem incorporá-lo a sua ideologia.

 

Por outro lado, não existe nenhum empecilho constitucional à participação de membros religiosos no Governo ou na vida pública. O que não pode haver é uma relação de dependência ou de aliança com a entidade religiosa à qual a pessoa está vinculada.

 

A liberdade religiosa foi expressamente assegurada uma vez que esta liberdade faz parte do rol dos direitos fundamentais, sendo considerada por alguns juristas como uma liberdade primária, ou seja, a liberdade religiosa é considerada um direito anterior a qualquer direito positivo que emana do estado, tendo como fundamento a própria dignidade da pessoa humana. “Ninguém pode ser discriminado por seguir ou deixar de seguir uma religião”.

 

Conforme o Jurista Soriano, a liberdade religiosa é o princípio jurídico fundamental que regula as relações entre o Estado e a Igreja em conformidade com o direito fundamental dos indivíduos e dos grupos a sustentar, defender e propagar suas crenças religiosas.

 

O jurista Jorge Miranda relaciona liberdade religiosa com a liberdade política. São suas palavras: "Sem plena liberdade religiosa, em todas as suas dimensões não há plena liberdade política. Em contrapartida, ele afirma: onde falta a liberdade política a liberdade religiosa fica comprometida ou ameaçada."

 

Compreende-se que a liberdade de religião apresenta três formas de expressão distintas, porém intrinsecamente relacionadas de liberdades que são: a liberdade de crença; a liberdade de culto; e a liberdade de organização religiosa.

 

1 No sentido religioso, laico é aquele que não pertence a nenhuma ordem religiosa; leigo, ou ainda, o que revela ignorância ou pouca familiaridade com o assunto religioso, desconhecedor, inexperiente.


1) A liberdade de crença no aspecto individual, abrange a liberdade de não ter religião alguma ou a liberdade de escolha da religião, ou ainda a liberdade(ou o direito) de mudar de religião, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Mas não compreende a liberdade de embaraçar(pertubar, causar vergonha, impedir) o livre exercício de qualquer religião ou de qualquer crença.

 

2) A liberdade de culto consiste na liberdade de orar e de praticar os atos de culto individualmente ou em grupo, próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como o recebimento de contribuições para tanto.

 

3) A liberdade de organização religiosa diz respeito à possibilidade de criação, estabelecimento, estruturação interna, funcionamento da instituição e organização de igrejas e suas relações com o Estado ou sem interferência do poder estatal.

 

A liberdade de religião não está restrita à proteção aos cultos e tradições e crenças das religiões tradicionais, não havendo sequer diferença ontológica (para efeitos constitucionais) entre religiões e seitas religiosas, ou seja, são todas iguais. O Estado deve dar proteção aos ritos, costumes e tradições de determinada organização religiosa e não pode estar vinculado ao nome da religião, mas sim aos seus objetivos. Por exemplo: Se a organização tiver por objetivo o engrandecimento do indivíduo, a busca de seu aperfeiçoamento em prol de toda a sociedade e a prática da filantropia, deve gozar da proteção do Estado.

 

Como toda regra tem exceção, existem organizações que possuem os objetivos acima mencionados e mesmo assim não podem ser enquadradas no conceito de organização religiosa, por exemplo: a maçonaria é um exemplo desse tipo de sociedade. Nesse caso o Estado é desobrigado a prestar o mesmo tipo de proteção dispensada às organizações religiosas.


Existe alguns princípios que devem orientar os tribunais e o governo com vistas ao reconhecimento e à correta aplicação do direito de autonomia das igrejas, dentre esses princípios, destaco os seguintes:

1) O governo não pode escolher uma religião específica e oferecer um tratamento desvantajoso, ou seja, é proibido qualquer medida oficial que desaprove uma religião em particular.

2) O governo não pode decidir o significado da doutrina religiosa ou resolver disputas que, por sua vez, exigem a resolução de questões religiosas.
3) O governo não pode impor um padrão de cuidado especial, sobre igrejas ou ministros, oulíderes, em comparação com outras igrejas ou ministro, ou líder.

 

Diante desse fato algumas perguntas se fazem necessárias: Como é possível em nosso País, falar que não existe uma religião oficial quando ao abrir-se qualquer calendário oficial observamos a existência de feriados oficiais de caráter religioso? E mais, de caráter santo para apenas uma religião (por exemplo: dia da padroeira do Brasil e dia de finados)? E como ficam as datas santificadas das outras religiões. por exemplo: o ano novo judaico, o ano novo chinês, o período de jejum dos muçulmanos etc.?

 

Outro questionamento muito importante é com relação ao ensino religioso. A Constituição da República estabelece em seu artigo 210, parágrafo 1º que as escolas públicas de ensino fundamental deverão ter, obrigatoriamente, em seu curriculum, como matrícula facultativa porém dentro do horário normal de aulas, uma cadeira relacionada ao ensino religioso.

 

A Constituição não traça, no mencionado dispositivo, nenhum padrão de conduta para o Administrador ou para os educadores com relação à forma que se dará o ensino religioso, muito menos qual o seu conteúdo ou ainda, por ser facultativa a matrícula, não dá nenhuma dica sobre o que farão as crianças que não optarem pelo ensino religioso durante o período em que estiverem sendo ministradas as aulas relacionadas à matéria.


Tais indagações ficarão sem resposta imediata devendo ser feita uma exegese de todo o texto constitucional para que se consiga dar a aplicação correta ao artigo.


Em primeiro lugar é conveniente reprisar que não existe uma religião oficial no Brasil. Não existindo religião oficial, não se pode optar pelos ensinamentos dos preceitos de nenhuma religião específica (ou Ontologia também chamada de ciência do ser ou existência do ser ou ainda realidade do ser, a expressão “diferença ontológica” no sentido religioso, significa basicamente tratar as pessoas diferentes por conta de uma religião, como se uma fosse melhor do que a outra melhor dizendo, não se pode optar pelo ensinamento de nenhuma religião) pois em assim ocorrendo estarse-ia promovendo o proselitismo  patrocinado pelo Poder Público.

 

Cabe aqui outros questionamentos: Se está proibido os ensinamentos de uma determinada religião, qual era a intenção do Constituinte? Em minha tese, creio, talvez, que a intenção do Constituinte foi dar a oportunidade para que os alunos, em idade de formação de sua personalidade, possam ter informações para optar, no futuro, livremente por uma religião, ou por nenhuma religião. Na cadeira de ensino religioso deveriam ser transmitidos os fundamentos das maiores religiões existentes no Brasil, com ênfase nos aspectos que lhes são comuns: prática de boas ações, busca do bem comum, aprimoramento do caráter humano etc.

 

Pelos argumentos acima apresentados, creio que o legislador constituinte foi infeliz ao determinar que o ensino religioso deva ser ministrado dentro do horário normal das escolas públicas, devendo, portanto, ser revisto este dispositivo, pois está em contradição com o texto da Constituição Federal no tocante à separação obrigatória entre o Estado e os entes religiosos, sob pena do Estado vir a patrocinar o proselitismo.


Existe também conflitos da liberdade religiosa com os demais direitos fundamentais, como vimos, é normal que em um Estado democrático de direito a liberdade religiosa acabe por colidir com outros direitos fundamentais.

 

Vejamos alguns conceitos importantes para entendermos melhor esse assunto.

 

CONCEITO CRISTÃO DE AUTORIDADE

 

Conforme o Pastor Luterano e Teológo, Dietrich Bonhoeffer, foi o pecado que tornou necessária a instituição de autoridade por parte de Deus. Como vimos, cabe à autoridade proteger os seres humanos, através da espada que Deus lhe conferiu, do caos que o pecado provoca. Como também, cabe à autoridade penalizar o criminoso e proteger a vida.

Romanos 13:1-7 é frequentemente citado entre os doutrinadores cristãos quando se trata do papel de autoridade do Estado, veja o que diz texto abaixo:


Todo o homem está sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejais sujeito, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais
tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra.

 

Essa mesma ideia é defendida pelo Apóstolo Pedro, em sua primeira carta, capítulo 2, versículos 13 e 14:
“Sujeitai-vos a toda autoridade humana por causa do Senhor, seja o rei, como soberano, seja aos governadores, como por ele enviados para punir os praticantes do mal e honrar os que fazem o bem”.


A SOBERANIA DE DEUS


Podemos enxergar que biblicamente, a obediência cristã a autoridade civil não é incondicional. A regra é a obediência, a desobediência é a exceção, porém ela é permitida somente em casos concretos e pontuais.


O salmista acerca da soberania de Deus sobre os governantes diz o seguinte: “Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços
e sacudamos de nós as suas algemas. Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles”.

 

Cabe aqui mais uma vez, outros questionamentos: Diante desse fato, podemos afirmar que Religião e Política se misturam? É certo um Líder Religioso, pertencer a um partido político ou a ter um cargo político no governo?

 

RELIGIÃO x POLÍTICA


Há um consenso no meio teológico que nos apresenta uma ponderação bastante equilibrada. Essa recomendação diz respeito que não se deve misturar as funções do Estado com os ofícios da religião, porém, coloca-se uma grande responsabilidade sobre a Igreja Cristã em sua relação com o governo civil.

 

Porque a igreja é uma instituição com regras próprias de conduta e convivência interna, por isso a tolerância dentro dela é construída nas Escrituras Sagradas e se baseia nos ensinos e nos mandamentos de Cristo e o
Estado é laico nessas sistuações, ou seja, o que pode ser um erro ou um pecado na religião, pode não ser para o Estado. Por exemplo: um homossexual não pode ser aceito como membro na grande maioria das igrejas
cristãs, pois as igrejas professam sua fé baseada na Bíblia Sagrada, como instrumento de regra de fé e de prática, e a condição do homossexual perante a Bíblia é tida como um ato de perversão, ou seja, é pecado,
porém, o mesmo para o Estado é igual a qualquer pessoa, o Estado não vê diferença entre um cristão e um homossexual.

 

Em contrapartida, existe um mandato cultural, visto no livro de Colossenses 1:16, que diz que: Deus é o criador de todas as coisas. Esse mandato nos coloca em plena responsabilidade pela boa gerência da criação, mediante as Leis do Senhor, inclusive do cuidado sobre a comunidade em que vivemos. Assim o argumento de que o crente não deve se envolver em política falha justamente no fato de que o tornaria omisso em relação a sua responsabilidade de cooperar na gerência da criação. Como irá o cristão ajudar sua comunidade nessa tarefa enquanto se nega a participar das ações e decisões acerca do Estado?

 

CONCLUSÃO
Ao exercer a liberdade em uma sociedade pluralista regida por um Estado laico, o cristão a serve obedecendo às leis.

Ao mesmo tempo, ele obedece o Evangelho servindo à sociedade. Não obstante, quando a obediência a um significar desobediência a outro, ele sabe que sua obediência é devida e irrestrita primeiramente ao Evangelho, que lhe dá a liberdade tanto para obedecer ao Estado por amor ao próximo quanto para desobedecê-lo exclusivamente por amor a Deus.

 

Pr. Dr. Gervásio Melquiades Gomes