DEUS CRIOU O MAL ?

 

O mal é uma realidade em nossa existência. Tal é a consistência do mal que sequer precisamos entendê-lo para experimentá-lo. De fato, desde criança, somos expostos ao mal e o vivenciamos dia a dia. Seja através
de dores, de doenças, de decepções, de angústias, de luto ou de morte; o mal se nos faz conhecido. Os ateus creem na existência do mal, mas o relativizam, visto que, para eles, não existe nenhum paradigma último de bem com o qual possam contrastar o mal. Os panteístas defendem a ideia que o mal é uma ilusão; sua visão de mundo concebe o mal como uma má interpretação da mente acerca dos fatos da existência.

 

Mas nós, cristãos, entendemos que o mal existe. Ele é real, está presente em nossas vidas e, quando analisado à luz de uma cosmovisão teísta, requer, no mínimo, teorias que intentem explicá-lo.

 

TEORIAS SOBRE A EXISTÊNCIA DO MAL

 

Com efeito, são muitas as teorias que existem para explicar a existência do mal no mundo; e, mesmo entre os cristãos, há algumas teorias conflitantes entre si. Alguns atribuem todos os males da humanidade à atividade de demônios. Felizmente, nos meios mais solidificados pelo ensino bíblico, essa teoria é descartada.

 

Contudo, no pensamento cristão popular, subsiste uma teoria que se sobressai em estatísticas de adesão: a de que o pecado é o único causador do mal na humanidade. Mas será isto verdade? Quando observamos a
Escritura com a cautela e os critérios necessários, é isto mesmo o que encontramos? Todos os males do mundo são causados ou pelo diabo ou pela consequência do pecado original ou mesmo pelas consequências de nossos pecados pessoais? Vamos analisar esta questão do ponto de vista bíblico.

 

SERÁ QUE TODO O MAL QUE EXISTE VEM DO PECADO ?

 

Primeiramente, é preciso que reconheçamos a prioridade do pecado original como agente desencadeador dos males aos quais a criação está submetida. Antes do evento histórico da Queda, a harmonia, a paz, o gozo
e a felicidade plena estavam ligados ao relacionamento com o Criador representada pelo primeiro casal.

 

Após a Queda, faz-se notória a ruptura da humanidade como consequência de sua primeira
desobediência. Observamos claramente nas passagens bíblicas iniciais, um desgosto de Deus diante da maldade dos homens, não poderia ser mais veemente. Veja o texto bíblico de Gênesis 6:5-6: “Viu o Senhor
que era grande a maldade do homem na terra, e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era má continuamente. Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem na terra, e isso lhe pesou no
coração”. Portanto, é óbvio que o advento da Queda proporcionou a entrada do mal na ordem criada. Não podemos negar a realidade da atividade demoníaca que, sempre sob o controle permissivo de Deus, age, de certa maneira, entre nós. Entretanto, sabemos que Deus, em sua onisciência , sempre soube que o pecado teria sua gênese5. Além disso, a Escritura nos mostra, abundantemente, a soberania absoluta de Deus sobre toda a sua criação. Diz o Salmo 33:6 - “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo sopro da sua boca”.

 

A revelação do Senhor nos ensina, que a vontade de Deus é a causa última de tudo o que acontece em toda a criação. Novamente, eis alguns trechos transcritos da Bíblia: “(…) Como pensei, assim sucederá, e como
determinei, assim se efetuará” (Isaias 14:24).

 

Com isso, vale salientar que alguns fatos ficam bastante evidentes e inegáveis de acordo com as Escrituras:
1) Deus, o criador de todas as coisas, pela sua providência e vontade, governa, dispoe e dirige todas as ações, desde a menor até a maior;
2) A vontade de Deus é a causa última de todas as coisas;
3) A soberania de Deus, garante que toda a vontade do Senhor será plenamente cumprida; e 
4) O cumprimento da vontade de Deus é garantida por sua capacidade de consolidá-la, por sua soberania e por sua onipotência.

 

Sendo assim, devemos nos inclinar à conclusão de que a existência do mal no mundo é selada pela vontade de Deus. Sim, a entrada do mal no mundo foi da vontade de Deus. Infelizmente neste ponto,
devemos reconhecer a impopularidade dessa afirmação. Reconhecemos também as complicações lógicas derivadas de tal asserção, mas, fundamentados na revelação da Palavra, podemos enxergar esta constatação bíblica baseado por exemplo no livro do profeta Isaias 45:7, onde Deus por meio do seu profeta diz: Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas.

 

A VONTADE DE DEUS

 

O primeiro ponto a ser tratado relaciona-se à questão da vontade de Deus. Já vimos que a vontade de Deus é o que move absolutamente todos os fatos e ocorrências na imensa criação, ou seja, tudo o que acontece é da vontade de Deus, então o mal que acontece no mundo, tem o aval do Senhor, ou seja, a ação do mal no mundo, opera sob a “vontade permissiva” de Deus, porém, Deus não observa inerte e apático a ação do mal em sua criação.

 

Devemos, entender que a famigerada “vontade permissiva” de Deus não se caracteriza como um desejo, antes, mais como veículo pelo qual Ele opera seu poder e graça. A conclusão é que se o mal existe e opera,
e o faz sob a permissão de Deus, então o mal é operado pela vontade de Deus. O peso desta conclusão nos leva a um segundo ponto.

 

COMO UM DEUS BONDOSO PODE PERMITIR OU DECRETAR O MAL ?

 

Este segundo ponto a ser delineado refere-se a um dos problemas mais antigos da teologia e da filosofia, a conciliação entre a existência de um Deus bondoso e amoroso e a existência do mal. A pergunta principal do problema é: “Como um Deus que é absolutamente soberano em poder, que se advoga bondoso e amoroso pode permitir ou mesmo decretar o mal?” Longe de oferecermos uma resposta definitiva para o problema, nos concentraremos em estruturar um raciocínio a partir do que diz a Bíblia.

 

Em primeiro lugar:, é um fato, como vimos, que a vontade de Deus é a causa de todas as coisas. Por isso, entendemos que todas as coisas são, em última análise, decretadas por Deus. Em segundo lugar: é
evidente que o mal é algo ruim, que contraria totalmente a essência de Deus, seja em seus atributos substanciais, ou em seus atributos de natureza moral.

 

A Bíblia diz que Deus é luz, e Nele não há treva alguma (1ª carta de João 1:5). Então, como pode um Deus que existe como o parâmetro único de bondade, permitir ou decretar a existência do mal sem que isso
contradiga sua própria essência? O fato é que, ao contrário dos homens, Deus usa o mal para produzir o bem, ou seja, nós, seres humanos, praticamos o mal por puro despeito, capricho, rebeldia e, às vezes,
mórbido prazer. Deus, todavia, aplica o mal como um meio para um fim. E se o fim é o cumprimento de sua vontade, e sua vontade é sempre boa, então Deus decreta o mal, o aplica e utiliza para o bem maior.

 

Vejamos alguns exemplos: (Gênesis 42-50): José foi vendido como escravo e, contra todas as probabilidades, acabou exercendo uma função crucial na história dos hebreus. (1º livro de Reis 12:15):
Salomão é apresentado como o culpado pela divisão do reino de Israel, enquanto, ao mesmo tempo, vemos que foi Deus quem dividiu a nação. Em todos esses casos, como em outros, na Bíblia, podemos ver
claramente a mão de Deus levando situações e atos essencialmente maus a redundarem em um bem maior, o que, não coincidentemente, é identificado com sua vontade santa e perfeita. Então, está bastante claro que (1º) Deus decreta e aplica o mal, e (2º) que faz isto visando o cumprimento de seus desígnios eternos, logo, benevolentes.

 

REFLEXÕES

 

Algumas reflexões precisam ser apontadas: 

Primeira reflexão: devemos nos perguntar por que Deus utiliza  mal, além de outros meios, para o cumprimento de sua vontade. Em outras palavras, se o pecado não tivesse entrado no mundo, o mal não existiria. Portanto, Deus só usa o mal porque o pecado existe.
Segunda reflexão: se Deus estipulou o mal, isto faz Dele o autor do pecado? A Bíblia afirma claramente que os seres racionais e morais criados por Deus são responsáveis por seus atos(pecados). De alguma
maneira que nos é oculta; ao mesmo tempo em que Deus ordena todas as coisas e nada ocorre sem que sua mão opere, o ser humano é um ser moral e pratica o mal na plena utilização de suas faculdades
mentais, volitivas e morais. A Escritura diz que “nos tempos passados permitiu que todas as nações andassem nos seus próprios caminhos” (Atos 14:16), isso indica claramente a responsabilidade da
humanidade diante de seus atos(pecados).

 

CONCLUSÃO

 

Na teologia cristã conforme a Palavra de Deus, o mal encarnado ou o mal personificado chama-se satanás ou o diabo, porém, ainda possui muitos outros nomes: a antiga serpente, o mal diabólico, o anjo tentador,
lucífer, belzebu, asmodeu, o adversário, etc. Na Bíblia Sagrada, nas palavras de Jesus, há uma força pessoal do mal atuando na humanidade, veja esse exemplo no evangelho de João 8:44 - Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é
mentiroso, e pai da mentira. Nesses versículos Jesus trata de dar uma resposta aos fariseus. Eles tinham muitas atitudes erradas e incoerentes com aquilo que professavam. Apesar disso, eles eram suficientemente cínicos para se declararem filhos de Abraão(filhos de Deus). Então Jesus faz uma distinção entre os filhos de Deus e os filhos do Diabo. Os filhos de Deus reconhecem e aceitam as palavras de Jesus. Eles são libertos do poder do mal pela verdade de Jesus. Os filhos do diabo são diferentes. Eles podem até achar que são filhos de Deus mas eles rejeitam a verdade da Palavra de Deus. Estão tão presos nas mentiras do diabo que não conseguem sequer reconhecer a verdade!

 

Nos termos bíblicos, o mal é uma ofensa a Deus; é uma intromissão a sua criação; o mal quebrou a harmonia da criação no cenário da perfeição divina. Deus criou o ser humano de forma perfeita, a sua imagem e semelhança, dotado de uma natureza moral, não manchada pela entrada do mal, porém, a humanidade criada por Deus tem dentro de si uma capacidade de escolha, que a torna vulneravél e tentada pelo mal.
 

Mesmo existindo o mal, Deus restringe a sua operação na criação. Não há nenhum ponto em toda a Bíblia, em que a vitória seja concedida as forças malignas. O livro de Romanos 6:14, diz que o pecado não terá
domínio sobre nós, porque estamos debaixo da graça. Essa é a promessa do nosso Senhor, o mal não reinará em nós, porque Cristo ressuscitou e por meio dele fomos libertos do pecado.

 

Outra promessa de Deus, nos diz que o Senhor não permitirá que sejamos tentados pelo mal, acima da nossa capacidade de resistência, pois com a tentação, Ele dará o escape para que nós possamos suportar. (1º Coríntios 10:13).

 

A tentação de Jesus no deserto (Mateus 4:1-11) é entendida como uma disputa de Jesus contra Satanás, porém, toda a evidência desses versículos bíblicos, nos leva a uma única conclusão, que Deus enviou seu
filho Jesus, para desfazer e destruir as obras de satanás, mesmo em circunstâncias muito dificéis, o mal sempre será derrotado.

 

Conforme o livro de Gênesis, no capítulo 1º, onde enxergamos toda a criação, vemos que o mal não pertence a natureza humana. Deus permitiu a existência do mal, para que a humanidade pudesse
exercer seu livre-arbítrio, escolhendo o bem ou o mal (Deuteronômio 11:26-28 - Eis que hoje eu ponho diante de vós a bênção e a maldição; A bênção, quando cumprirdes os mandamentos do Senhor vosso Deus, que hoje vos mando; Porém a maldição, se não cumprirdes os mandamentos do Senhor vosso Deus, e vos desviardes do caminho que hoje vos ordeno, para seguirdes outros deuses que não conhecestes.)

A inevitável conclusão é que Deus usa o mal para o cumprimento de seus propósitos. Deus, por ser Deus, faz o que quer; Ele não faz nada mais nada menos do que aquilo a que sua vontade santa e sua sabedoria infinita o direcionam: “Mas o nosso Deus está nos céus; ele faz tudo o que lhe apraz” (Salmo 115:3).

Disse o Senhor: “Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu sou o Senhor, que faço todas estas coisas” (Isaias 45:7). Quando Deus afirma isso, Ele aceita a responsabilidade pelo mal em
meio a sua criação. Será que diante desse versículo, registrado na Bíblia Sagrada, podemos, como suas criaturas contestar seus feitos, seus modos, seus meios, suas ações, sua revelação e seu Ser?

 

Evidentemente que não. O que podemos fazer, então, diante do que foi exposto sobre a presença do mal entre nós e sobre a agência de Deus acerca do mal em nossas vidas? A resposta é simples: Devemos descansar! Devemos confiar em Deus, que nos assiste em sua bondade e amor, e, a cada segundo de nossas vidas, nos cobre com sua benigna providência.

 

Pr. Dr. Gervásio Melquiades Gomes